Uma vida sem desperdício

Lauren, que se formou em Estudos Ambientais e chegou a trabalhar para o Departamento de Proteção Ambiental de Nova Iorque, como analista de sustentabilidade, partilhou com a Vogue o lado bom e… bom, só há este do estilo de vida desperdício zero.

 

 

Lauren Singer

Em entrevista para a Vogue Portugal, Lauren disse:

“A minha transição começou com os meus estudos em ciências ambientais, na faculdade. Foi o que me fez tomar consciência dos problemas à minha volta, ter contato com a sustentabilidade ambiental, e o impacto estudantil nesta área incutiu em mim um receio pelo futuro. Soube que queria fazer algo em função disso. Para mim, no início, isso significou agir enquanto ativista, ou seja, protestando, criando grupos estudantis e me empenhando cada vez mais nisso, mas percebi que o que eu estava fazendo era julgar outras pessoas por não serem mais sustentáveis, marcas por não serem mais transparentes, governos por não agirem mais, quando na verdade também não estava olhando para a minha própria vida, porque achava que estava fazendo tudo o que era possível. Quando me dei conta, eu não estava agindo de acordo com os princípios que moviam as minhas ações: usava plásticos descartáveis, consumia fast fashion, produtos de beleza sintéticos, todas estas coisas que fazia no meu dia-a-dia estavam contribuindo para os danos ambientais que eu tanto lutava por erradicar. Nessa altura, percebi que tinha de mudar. Comecei por eliminar o plástico da minha vida e adotei o estilo de vida zero waste, que foi, para mim, a decisão mais empoderadora que tomei, porque me fez sentir que, fora do ativismo, eu era responsável pelas minhas próprias ações, eu conseguia controlar como impactava o planeta. Perceber que tinha de fazer uma mudança foi definitivamente um aha moment, percebi ‘Oh meu Deus, estou em piloto automático há tanto tempo, preciso mesmo fazer algo’.

 

“É ÓBVIO QUE NÃO HÁ UMA FÓRMULA CERTA PARA COMEÇAR ESTE CAMINHO E ADOTAR O ESTILO DE VIDA DESPERDÍCIO ZERO, PORQUE SOMOS TODOS DIFERENTES, CADA UM DEVERÁ ADOTAR AS MUDANÇAS DE ACORDO COM A SUA VIDA.”

   

Não sei se posso realmente falar sobre partes difíceis, nisto, porque não há nada de difícil sobre reduzir o seu desperdício, no que diz respeito a sacrifícios que tem que fazer, são mais os teus preconceitos mentais, aquilo que normalmente as pessoas sentem em relação ao desperdício zero.

Comece pelo mais simples, como não usar copos de café descartáveis ou usar uma barra de champô em vez de uma embalagem, comprar roupas sustentáveis… especialmente agora, com a tecnologia, é mais fácil do que nunca adotar um estilo de vida zero waste. Não sinto que haja algo difícil em particular nisto, aliás, as razões pelas quais faço isto são ambientais, mas as razões pelas quais sou capaz de manter este lifestyle é que simplificou mesmo a minha vida: tenho menos coisas, me sinto melhor, não acumulo tanta tralha, poupo dinheiro porque comprar produtos sem embalagem é mais barato, comprar apenas o que precisa e consumir ‘alimentos frescos’ (da estação), são menos caros, por isso eu poupo dinheiro e sinto-me melhor por estar tomando decisões alinhadas com os meus valores. Saio sempre ganhando nisso.

É óbvio que não há uma fórmula certa para começar este caminho e adotar o estilo de vida desperdício zero, porque somos todos diferentes, cada um deverá adotar as mudanças à medida da sua vida. É como as dietas – cada um faz o regime que sente que funciona melhor para si, porque o dia-a-dia de cada um é distinto. Mas há coisas, que pode fazer e que podem tirar a sua mente do piloto automático, evitando que cai naquilo que chamo de lixo circunstancial, que é lixo que entra na nossa vida sem que nos percebamos, como as sacolinhas de plástico ou guardanapos de papel num restaurante, ou talheres de plástico quando encomendas comida, ou seja, estar consciente destes pormenores e dizeres ‘não, eu não preciso de um saco de plástico ou qualquer uma destas coisas’, ou seja, recusar este tipo de extras e estar preparada com objetos do género reutilizáveis para estas situações, como talheres em metal ou garrafa de água reutilizável. Por isso, há muitos passos fáceis de tomar que reduzem o lixo que acontece sem que sequer nos percebamos.

Em relação a ceticismos, não tive nenhum tipo de resistência das pessoas ao meu redor, porque não houve alterações visíveis no meu aspeto – me vestia da mesma maneira, continuava com o mesmo ar, fazia as mesmas coisas, só que o modo como o fazia tinha pequenas diferenças, como o uso de objetos reutilizáveis e não de uso único. Acho que o desafio maior foi a minha família, por exemplo, quando íamos de férias, eu não comia nada que estivesse embalado, por isso, ia ao mercado comprar os meus alimentos, e acho que isso ao início implicou alguma adaptação, porque a sua família assume que te alimentar é o seu trabalho. Mas acho que, assim que perceberam que não estava tentando dificultar a vida, ficaram felizes por fazer concessões nisto de ser eu a ir comprar a minha comida, e apoiaram muito, mesmo quando decidi começar a compostar. É importante não ligar muito ao que as outras pessoas vão pensar, mas admitir que está feliz sabendo que está fazendo algo com um propósito, que é proteger o planeta adora. Eu não quero saber o que comentam os outros, porque faço o que faço para estar alinhada com os meus princípios, adotando um estilo de vida que cria o mundo que eu quero. Não há nada que alguém possa dizer que me faça sentir mal em relação a isto. Além disso, é uma boa oportunidade de convidar pessoas a entrar na sua vida, mostrando a experiência de ir a um mercado de produtores locais ou cozinhando uma refeição, deixando elas entrarem na sua vida e lifestyle, por isso, sempre que há uma adversidade, é uma oportunidade de fazer um novo amigo e mostrar a quem quer que seja um pouco mais sobre as suas mudanças. E acho que muita gente também acabou por se deixar contagiar por isto, na verdade. Eu fiquei com vontade de escrever sobre isto depois da Bea Johnson, a mulher que me inspirou – na altura não havia ninguém escrevendo sobre isto, de um ponto de vista individual. E agora está em todo o lado, o conceito de desperdício zero e uma vida livre de plástico, por isso, já não sou só eu e os meus amigos e família, é um movimento global em prol do zero waste e me orgulha muito que isso esteja acontecendo.

 

“NÃO ACHO QUE A RESPONSABILIDADE NA SUSTENTABILIDADE ESTEJA MAIS DO LADO DO GOVERNO DO QUE DAS PESSOAS, NEM ACHO QUE SEJA UMA DIVISÃO QUE SE FAÇA DE FORMA EQUITATIVA, TIPO METADE-METADE.”

   

O que estou tentando fazer ao levar uma vida sem embalagens não se prende só com mudar as pessoas, mas antes inspirá-las a fazê-lo, provando que não é difícil viver ‘package-free’ ao introduzir escolhas que são fáceis e mais convenientes. Eu comecei a fazer isto por mim, recebendo que havia outras pessoas interessadas em resolver o mesmo problema que eu, e que passaram a por responder  ‘como é que me alinho com os meus valores?’. E nesse sentido, comecei a fazer os meus próprios produtos e, depois, comecei a consumir produtos sem embalagem porque quis apoiar quem estivesse criando artigos sustentáveis para facilitar o acesso a quem estivesse à procura deste mesmo tipo de produtos. E é isso que estou a fazendo com os produtos package free, tornando-os o mais acessíveis possível. Mesmo que a sustentabilidade não esteja na tua lista de interesses, podes comprar produtos destes que são seguros para o teu corpo e para o ambiente, e esse é o meu próximo passo. Claro que me interessa alertar as pessoas para as alterações climáticas e sustentabilidade, que é a essência do que faço, mas eu sei que, apesar de eu fazer tudo neste estilo de vida, nem todomundo consegue ou quer fazê-lo 100%, por isso, o objetivo é tornar as escolhas o mais simples e o mais acessíveis possível, porque se não conseguirmos alterar o comportamento de consumo da sociedade, talvez consigamos alterar o tipo de produtos que consomem, garantindo que compram produtos mais sustentáveis em vez dos tradicionalmente embalados. Acho que muitas coisas têm que  acontecer para o mundo inteiro se tornar zero waste, mas não acho que seja utópico ou impossível. Como a minha mãe me dizia, quando eu era pequena, as pessoas não mudam, mas podem aprender a fazer as coisas de forma diferente. Ou podem ser forçadas a fazê-lo, criando obrigações de compostagem ou reciclagem em alguns sistemas, haver regulamentações em relação ao tipo de embalagens que podem ser produzidas. Ou mais exemplos de produtos sustentáveis que funcionam, acho que há novas empresas a fazerem coisas fantásticas e a colocar produtos sustentáveis no mercado e eu espero ser uma dessas forças de mudança na sociedade. Porque acho que, além de possível, é necessária. E acredito que há cada vez mais esta consciência e cada vez mais pessoas a aderirem ao movimento. Mesmo por uma questão emocional: as pessoas querem cada vez mais adotar escolhas com propósito, com uma missão. E isso será cada vez mais óbvio, até nos líderes mundiais.

Não acho que a responsabilidade na sustentabilidade esteja mais do lado do governo do que das pessoas, nem acho que seja uma divisão que se faça de forma equitativa, tipo metade-metade. Eu achava que era através da política e fazendo parte do governo que conseguiria mais facilmente aplicar estas alterações e impactar o Mundo. Cheguei a trabalhar no governo, durante uns tempos, e percebi que há tanta burocracia e logística, e não apenas por causa das políticas de Donald Trump, mas porque os governos não são geridos como negócios, porque se fossem, talvez se revelassem mais eficientes. Eu comecei a envolver-me mais em gestão e negócio porque é a maneira mais eficaz de aplicar mudanças em larga escala de forma rápida. E acho que os governos vão atrás e aproveitam-se do sucesso de negócios, do sucesso de indústrias privadas, porque é um exemplo de algo que funciona, mas não confio definitivamente nas entidades governamentais para serem eficazes para fazer as alterações que estou tentando fazer acontecer com o meu negócio. Acho que podem ajudar a apoiar o trabalho que temos feito, talvez criando subsídios de compensação ou tornando o plástico mais caro, ou fazendo com que os produtos não sustentáveis não sejam de tão fácil acesso, nivelando a coisa para os produtos sustentáveis, ou seja, decisões políticas que podem ter impacto no ecossistema, como criar um mercado mais livre. Mas eu acredito no indivíduo, e no poder do indivíduo, para fazer alterações e educar-se e empoderar-se a si mesmo e ser mais consciente das decisões que toma diariamente, trazendo isso para a sua comunidade e para a sua casa. E, através do meu negócio, quero fazer a mesma coisa: colocar a abordagem nos produtos de consumo através da lente da sustentabilidade e usar o venture funding e a economia de escala para tornar esses produtos mais acessíveis. Por isso, criei a empresa para aprofundar o que estava fazendo, mas também para as outras pessoas que viam a sustentabilidade desta forma e que queriam democratizar o acesso. Eu acredito que o acesso a produtos sustentáveis é um direito básico, não interessa quem é, de onde vem, qual a sua profissão. O meu objetivo na vida é fazer isso acontecer.

 

Se ainda sou ativista? Talvez, mas não diga a ninguém.”

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Sarah Almeida Florent

Redigido por: Sarah Almeida | @sarah.almeidda

Fundadora da Florent, pesquisadora de moda e Economia Circular. Formada em gestão de resíduos pela Fundação LIxo Zero Brasil e finanças sustentáveis pela ONU.

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